domingo, 26 de maio de 2019

Líder da CNBB defende Igreja mais servidora


Alinhado ao papa Francisco, dom Walmor Oliveira de Azevedo, eleito no início de maio presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), declarou "tolerância zero" na investigação de casos de abuso cometidos por religiosos. Longe de se manter distante de declarações polêmicas e de frisar a posição "apartidária" da instituição, o presidente endossa as críticas com relação a temas defendidos pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), como a mudança das regras sobre o porte das armas e cortes no ensino.
A eleição do dom Walmor é considerada uma continuidade da presidência anterior, posição antes ocupada pelo arcebispo de Brasília (DF), cardeal Sérgio da Rocha, que já tinha criticado a Reforma da Previdência.
O O POVO conversou com o novo presidente eleito sobre as perspectivas do mandato e o cenário do País, por e-mail. Na ocasião, ele encontrava-se em Honduras para a Assembleia da CELAM (a CNBB da América Latina).
O POVO - Quais são os temas prioritários para a CNBB pelos próximos anos?
Dom Walmor Oliveira de Azevedo - A CNBB trabalhará incansavelmente para fortalecer, ainda mais, a sua presença transformadora, sempre à luz do Evangelho, nos mais diferentes âmbitos da sociedade, consciente de que sua força vem da fé, na escuta da Palavra de Deus e do cultivo da colegialidade dos bispos de todo o Brasil. A colegialidade, comunhão entre os bispos, é o coração pulsante da CNBB. É sempre importante ter esta clareza: o coração da CNBB é a fraternidade partilhada pelos bispos, que contribui para a unidade da Igreja, presente em todo o território nacional com a sua rede de comunidades, em cada Diocese. Há, pois, uma permanente meta, que é da CNBB e de toda a Igreja: ser sempre mais servidora, buscando levar o Evangelho da vida ao coração das pessoas, para que todos descubram o caminho do bem, da justiça e da verdade. A Igreja, também por meio da CNBB, prossegue dedicada, sobretudo, aos que sofrem, aos mais pobres. A sociedade, para melhorar, precisa superar cenários de exclusão e de indiferença.
OP - A Conferência tem feito duras críticas a algumas das principais pautas defendidas pelo atual Governo do País, como a flexibilização das regras sobre armas, a Reforma da Previdência e o corte de verbas para a educação. Como o senhor observa essas questões e o posicionamento da Igreja Católica frente a elas?
Dom Walmor - Primeiro, é importante sublinhar que a Igreja é apartidária, não se prende a ideologias, pois o seu compromisso é com o Evangelho. Nesse sentido, a CNBB vê com preocupação o atual cenário brasileiro, de grande polarização. Um contexto que prejudica a indispensável capacidade de escutar perspectivas diferentes, exercício necessário para aprendizados, aperfeiçoamentos. Compreende-se que o contexto atual, de poucos recursos e baixa arrecadação, é exigente. Requer a otimização da gestão financeira, para se evitar desperdícios. Ao mesmo tempo, eventuais cortes não podem comprometer o ensino e a pesquisa, tão necessários para o desenvolvimento do Brasil, nem prejudicar os mais pobres, que já carregam um peso maior, em especial nos momentos de crise. A respeito de mudança das regras sobre o porte das armas, devemos lembrar: a Palavra de Deus ensina que o caminho é promover a paz. Naturalmente, o Estado deve se dedicar às estratégias e à qualificação técnica de seus sistemas de segurança pública. Mas apenas esses investimentos são insuficientes. A violência é superada a partir do momento em que cada pessoa se qualifica para ser um coração da paz. Essa qualificação é exigida, principalmente, dos que professam a fé cristã. A "arma" do cristão é a sua vida, que deve ser marcada pelos gestos de amor ao próximo.
OP - O papa Francisco se destaca por levantar bandeiras como a aproximação com os fiéis e a humildade dentro do clero. De que forma isso se reflete na atuação da Igreja junto à sociedade?
Dom Walmor - O Papa Francisco pede para que a Igreja seja ainda mais misericordiosa e missionária, "Igreja em saída". No caminho indicado pelo Santo Padre, nossas comunidades têm intensificado a sua presença nas muitas periferias, geográficas e existenciais. Na Arquidiocese de Belo Horizonte, por exemplo, assumimos o compromisso de intensificar ainda mais a nossa presença nas vilas e favelas. O objetivo é contribuir para que cada pessoa experimente a duradoura alegria que nasce a partir da experiência de seguir Jesus, fazendo o bem, descobrindo que o sentido da vida não está no dinheiro, nas posses, mas no serviço à sociedade.
OP - No início do mês, o papa Francisco anunciou decreto que torna obrigatório a padres e religiosos denunciar às autoridades eclesiásticas suspeitas de casos de abusos sexuais. Como o senhor avalia o impacto dessa mudança diretamente no Brasil? Qual a relevância das ações do papa no sentido de reparar o silêncio da Igreja Católica diante das denúncias de abusos sexuais cometidos por religiosos?
Dom Walmor - O decreto do Papa Francisco reforça o compromisso da Igreja no Brasil de combater, radicalmente, esses abusos, tolerância zero, fazendo cumprir as penas previstas no seu Código de Direito Canônico. É inadmissível qualquer tipo de silêncio diante de situações que merecem devidas denúncia e investigação. E as vítimas desses crimes devem receber da Igreja todo o apoio necessário na escuta e acolhimento.
OP - O pontífice tem tocado em temas delicados como relações homoafetivas, divórcio e a participação da mulher na Igreja. O senhor corrobora com as posições do papa?
Dom Walmor - O papa Francisco lembra o que a Bíblia ensina, no livro Atos dos Apóstolos: Deus não faz acepção de pessoas. Nesse sentido, sabiamente, o Santo Padre pede para a Igreja ser mais misericordiosa. Todos fazem parte da mesma família. São irmãos uns dos outros. Esse reconhecimento exige profundo respeito à vida, dom de Deus, de sua concepção até o declínio, com a morte natural. A orientação do papa Francisco é clara: sejamos uma Igreja mais acolhedora. É importante, nesse caminho, não desvirtuá-la. O Santo Padre também orienta para que permaneçamos fiéis ao manancial ético-moral da Igreja Católica, que tem raízes no Evangelho e contribui, decisivamente, para o respeito à vida em todas as suas etapas.

ANA RUTE RAMIRES;opovo.com

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